O próximo passo na história da eletricidade surgiria devido a uma atroz rivalidade pessoal e profissional entre dois acadêmicos italianos.
No final do século XVIII, a cidade de Bolonha era governada pela Roma papal. A universidade era poderosa, mas conservadora em seu pensamento. Ela estava mergulhada no cristianismo tradicional, em que Deus governa a Terra do céu e que a forma de Ele reger o mundo era oculta para nós, meros mortais, que não foram feitos para compreendê-lo, somente para servi-lo. Um dos maiores destaques da universidade era o anatomista Luigi Aloisio Galvani.
Em Pavia, a apenas 240 km de Bolonha, no final do século XVIII, eram separadas politicamente. Ela fazia parte do império austríaco o que a colocava no centro do Iluminismo europeu. Liberal em seu pensamento, politicamente radical e obcecada com a nova ciência da eletricidade. Ela também era o lar de Alessandro Volta.
Alessandro Volta não podia ser mais diferente de Galvani. As ideias de Volta não estavam tolhidas pelo dogma religioso de Galvani. Como Benjamin Franklin e o Iluminismo europeu, ele acreditava na racionalidade. A superstição era a inimiga. A razão era o futuro. Os dois eram fascinados pela eletricidade. E ambos aplicaram a ela as suas visões de mundo distintas.
Galvani se interessou pelo uso da eletricidade em tratamentos médicos. Por exemplo, em 1759, aqui, em Bolonha, a eletricidade foi usada nos músculos de um homem com paralisia.
Um relato dizia... "Foi ótimo ver a mastoide rotacionar a cabeça, "o bíceps dobrar o
cotovelo. "Em suma, ver a força e vitalidade de todos os movimentos "ocorrendo em todos os músculos paralisados "submetidos ao estímulo."Galvani acreditava que esses tipos de exemplos revelavam que o corpo funcionava usando eletricidade animal, um fluido que corre a partir do cérebro, através dos nervos, até os músculos, onde é transformado em movimento.
Ele criou uma série de experiências macabras para provar isso. Primeiro, ele preparou um sapo. Ele escreveu: "O sapo está sem pele e vísceras. Restaram apenas "os membros inferiores, contendo apenas os nervos crurais."
Ele usou a máquina elétrica de Hauksbee para gerar carga eletrostática, que se acumula e desloca por esta haste e sai por este fio de cobre. Depois, ele conectou o fio condutor da carga ao sapo e um outro ao nervo logo acima da perna. As pernas do sapo se contraiam com o contato.
Para
Galvani, o que acontecia era que havia uma entidade estranha e especial no músculo animal, que ele denominou eletricidade animal. Não era como as demais. Era intrínseco dos seres vivos. Mas, para Volta, a eletricidade animal cheirava à superstição e magia. Ela não tinha lugar na ciência racional iluminista.
Volta via a experiência completamente diferente de Galvani. Ele acreditava que ela revelava algo totalmente novo. Para ele, as pernas não estavam pulando como consequência da liberação de eletricidade animal dentro delas, mas por causa da eletricidade artificial externa. As pernas eram apenas sinalizadores. Elas só se contraíam devido à eletricidade da máquina de Hauksbee. Em Bolonha, Galvani reagiu furiosamente às ideias de Volta. Ele acreditava que Volta havia cruzado o limite fundamental, das experiências elétricas para o reino de Deus, o que equivalia à heresia.
Ter um tipo de espírito como a eletricidade, produzi-la artificialmente e dizer que esse espírito, essa força de vida, que a ação era a mesma produzida por Deus, que Deus havia posto num corpo vivo, humano ou de um sapo, parecia um sacrilégio, porque eliminava o limite entre o reino de Deus, do divino, e o reino mundano, do material. Compelido por sua indignação religiosa, Galvani anunciou uma nova série de resultados experimentais, que provaria que Volta estava errado. Durante uma de suas experiências, ele pendurou sapos em um fio de ferro e viu algo totalmente inesperado. Se ele conectasseum fio de cobre ao fio onde o sapo estava pendurado, e, depois, tocasse a outra ponta do
cobre no nervo... parecia que ele podia contrair as pernas do sapo sem nenhuma eletricidade. Galvani chegou à conclusão de que devia haver algo dentro dos sapos, mesmos mortos, que continuava por um tempo após a morte produzindo algum tipo de eletricidade. E os fios de metal de algum meio liberavam essa eletricidade. Nos meses seguintes, as experiências de Galvani concentraram-se em isolar essa eletricidade animal utilizando combinações de sapo, metal, Garrafas de Leiden e máquinas
elétricas. Para Galvani, essas experiências eram prova que a eletricidade originava-se de dentro do sapo. Os músculos do sapo eram Garrafas de Leiden, armazenando fluido elétrico e depois liberando-o em uma explosão.
Em 30 de outubro de 1786, ele publicou suas descobertas em um livro, "De Animali Electricitate", Da Eletricidade Animal. Galvani estava tão confiante em suas ideias, que mandou um exemplar do seu livro para Volta. Mas Volta não conseguia aceitar a ideia de eletricidade animal de Galvani. Ele achava que a eletricidade devia vir de um outro lugar.
Mas de onde?
Na década de 1790, na Universidade de Pavia, quase certamente no auditório, que ainda ostenta seu nome, Volta começou sua busca pela nova fonte de eletricidade. Suas suspeitas se concentraram nos metais que Galvani usara para contrair as pernas do sapo. Sua curiosidade foi despertada por um fenômeno estranho com o qual ele se deparou, com o sabor das combinações dos metais. Ele descobriu que se pegasse duas moedas de metais diferentes e as colocasse na ponta de sua língua, e, depois, pusesse uma colher de prata em cima de ambas... ele sentiria uma sensação de formigamento, parecido ao obtido da descarga de uma Garrafa de Leiden. Volta concluiu que poderia saborear a eletricidade e que ela devia vir do contato entre os metais distintos nas moedas e colher. Sua teoria contrariava a de Galvani. A perna do sapo contraía, não devido à sua própria eletricidade animal, mas porque ela estava reagindo à eletricidade dos metais. Mas a eletricidade que suas moedas geravam era incrivelmente fraca. Como ele poderia torná-la mais forte?
Então, uma ideia ocorreu a ele ao revisitar os trabalhos científicos do grande cientistabritânico, Henry Cavendish, e, sobretudo, a sua famosa obra sobre o peixe tremelga elétrico.
Ele observou mais de perto o peixe tremelga e, sobretudo, o padrão repetitivo de cavidades em suas costas. Ele imaginou se esse padrão repetitivo continha o segredo do seu poderoso choque elétrico. Talvez cada cavidade fosse como as suas moedas e colher, cada uma gerando uma pequena quantidade de eletricidade. E, talvez, o choque poderoso do peixe resultasse do padrão de cavidades sucessivamente repetido. Com confiança crescente em suas novas ideais, Volta decidiu revidar construindo sua própria versão artificial do peixe elétrico. Ele copiou o peixe tremelga, repetindo seu padrão, mas usando metal. Eis o que ele fez. Ele pegou uma placa metálica de cobre, depois, colocou sobre ela um pedaço de papelão embebido em ácido diluído. Depois, sobre isto, ele pegou outro metal e colocou em cima. O que ele tinha aqui era o mesmo dos dois fios de Galvani. Mas Volta repetiu o processo. Ele estava construindo uma pilha de metal. Na verdade, sua invenção ficou conhecida como "pilha." Mas é o que ela podia fazer que foi uma revelação incrível.Volta testou a pilha em si mesmo, pegando dois fios, prendendo-os em cada uma das extremidades da pilha e pondo as outras extremidades em sua língua. Ele podia realmente saborear a eletricidade. Desta vez, ela foi mais poderosa do que o normal e constante. Ele havia criado a primeira pilha.A máquina não era mais elétrica e mecânica, era apenas uma máquina elétrica. Ele provou que uma máquina imitando o peixe funcionaria, que o que ele chamou de eletricidade por contato de diferentes metais podia funcionar, que ele considerou como seu golpe vitorioso na polêmica com Galvani.
A pilha de Volta mostrou que é possível desenvolver todos os fenômenos da eletricidade animal sem a presença de animais. Do ponto de vista voltaico, parecia que Galvani estava errado, não há nada especial na eletricidade em animais. Era eletricidade e ela podia ser totalmente replicada por essa pilha artificial. Mas a maior surpresa para Volta foi que a eletricidade gerada era contínua. Na verdade, ela fluía como água em um riacho. E como em um riacho, onde a medida da quantidade de água que flui é chamada de corrente, a eletricidade liberada pela pilha ficou conhecida por corrente elétrica. Duzentos anos após Volta, finalmente compreendemos o que é a eletricidade. Os átomos dos metais, como todo átomo, possuem elétrons carregados eletricamente em torno de um núcleo. Mas em metais, os átomos compartilham seus elétrons mais externos entre si e de forma singular, que significa que podem se mover de um átomo a outro. Se tais elétrons se moverem na mesma direção, ao mesmo tempo, o efeito cumulativo é o movimento de carga elétrica. Esse fluxo de elétrons é o que chamamos de corrente elétrica.
Semanas após Volta publicar os detalhes da sua pilha, cientistas descobriram algo incrível que ela podia fazer. Seu efeito na água comum era completamente inesperado. O fluxo constante da carga elétrica à água a estava dissociando em seus componentes, os gases, oxigênio e hidrogênio. A eletricidade anunciava o início de uma nova era. Uma era onde a eletricidade deixou de ser mera curiosidade e começou a ser verdadeiramente útil. Com o fluxo constante da corrente elétrica, novos elementos químicos puderam ser isolados com facilidade. E isso estabeleceu as bases da química, física e da indústria moderna. A pilha de Volta mudou tudo.
A pilha transformou Volta em celebridade internacional, festejado pelos ricos e poderosos.Em reconhecimento, uma medida fundamental da eletricidade recebeu seu nome: o Volt. Mas seu adversário científico não se saiu tão bem. Luigi Aloisio Galvani morreu em 04 de dezembro de 1798, deprimido e na pobreza.
Foi o momento que marcou o fim de uma era e o início de outra. Foi supervisionado por
Humphry Davy, o primeiro de uma nova geração de eletricistas. Jovem, confiante e
fascinado pelas possibilidades da corrente elétrica contínua.
Assim, em 1808, ele construiu a maior pilha do mundo. Ela ocupava uma sala inteira debaixo da Royal Institution. Tinha mais de 800 pilhas voltaicas individuais conectadas. Ela devia sibilar e liberar gases sulfurosos. Em uma sala escura, iluminada por tecnologia secular, velas e lamparinas a óleo, Davy conectou sua bateria a dois filamentos de carbono e juntou as duas extremidades. O fluxo contínuo de eletricidade da pilha através dos filamentos cruzou a lacuna, dando origem a uma faísca cintilante ofuscante e constante. Da escuridão fez-se a luz. O arco de luz de Davy simboliza verdadeiramente o fim de uma era e o início da nossa. A era da eletricidade.
Fontes de consulta:
Documentário da BBC: "História da Eletricidade- episódio 1: A Faísca" Disponível em : http://www.faiscas.com.br/textoel.pdf#page=1&zoom=auto,-107,842. Acesso em Janeiro de 2018.
JUNIOR,L.A.F. A história do desenvolvimento das máquinas eletrostáticas
como estratégia para o ensino de conceitos de eletrostática- Porto Alegre: PUCRS,2008.
KHUN,
Thomas. A estrutura das Revoluções
Científicas. São Paulo:
Editora Perspectiva,1998.
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